No Brasil havia algumas "aplicabilidades gramaticais" curiosas. Dizia-se por lá que o "teu" é para referir-se a um objeto que está mais perto, e "seu" para um que está mais longe. Equivalente seria o "isto" e o "isso", ou "este" e "esse".
Já em Portugal o que está perto não é a coisa em si, mas a pessoa. Mais que a pessoa enquanto objeto. Não se trata de distância geográfica, mas sim, de proximidade relacional, de afetos, de posição, de hierarquia, e até de idade.
Como assim?
As crianças e o jovens tratam-se por "tu", já os mais velhos serão tratados por "você". Também entre os alunos, é normal o "tu", entretanto o professor e a "stora" sempre serão tratados por um "você" implícito. Por exemplo: "a stora podia explicar novamente, se faz favor".
E num nível mais íntimo, o "tu" fica mesmo reservado ao círculo dos mais próximos, família, amigos. Àqueles com quem cabem a informalidade e a intimidade.
Isto fez-me tanta confusão. Aliás, até hoje não é tão claro, quando posso avançar a barreira do "você" para o "tu". Algumas vezes, já tive de recuar. Pensei que já havia amizade o suficiente, e então a conjugação do "suposto amigo", permanecia no "você" para comigo.
O tempo para um brasileiro fazer um amigo, pode ser já no primeiro encontro. Já o português, é bem mais cauteloso. Demora um bocado para confiar, e abrir sua casa.
É verdade, que a "zona" onde se vive, pode influenciar neste "timing". Quem o brasileiro é, e como se porta, também pode encurtar este tempo. Embora, sempre seremos os brasileiros. É natural que haja um tom de desconfiança no ar.
Nisto há uma mistura de precaução, desconfiança, ou simplesmente, da maneira do ser como são. Facto que todos precisamos respeitar, e não sermos invasivos, o que não é nada fácil. Afinal, faz parte de nós, brasileiros, a intromissão, a precipitação, o dar-se tão prontamente.
Por outro lado, concordo com o que se diz por cá: "Os brasileiros "desabraçam" com a mesma facilidade em que abraçam." E o inverso para os portugueses é válido.
Perceber a alma de povo, o seu "inconsciente coletivo", é um mistério a ser desvendado, ao qual não falta "gafes". Lembro-me que tratei uma atendente do mercado por "tu". Hoje sei que foi muito estranho, e soou desrespeitoso.
Outra problemática, é que a conjugação verbal precisa ser coerente. E o uso do imperativo na negativa, com o pronome no lugar certo? "Não te preocupes (tu)." "Não se preocupe (você)." E o afirmativo? "Pega (tu) para mim." "Pegue (você)." É uma canseira transitar de um para o outro, e ainda mais difícil discernir o momento adequado.
Até as pessoas mais simples de nossa Aldeia, para alguns, uma Província, demonstram ser a Língua Portuguesa o seu berço nativo. "Oiço" alguns velhotes, e rio comigo. "Eles falam muito bem." Assim, orgulham-se em ser a Língua o seu País.
Enfim, vamos seguir "step by step", com idas e vindas, encontros e desencontros, sabores e dissabores, neste incrível país.
@vacilius.lima
Foto: Convento de Mafra
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