Sinta-se Em Casa

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sábado, 23 de dezembro de 2023

As Implicações da Encarnação

O Natal enquanto encarnação da consciência de Emanuel, Deus conosco, é uma oportunidade de reflexão sobre a tensão entre a desesperança próprio deste mundo e a esperança como dádiva do Pai das Luzes.

Ao caminharmos pelas ruas da cidade, ou observarmos dentro dos transportes públicos, as pessoas transmitem paz? Como a vida está a destacar os seus traços? Alguns parecem caricaturas do sofrimento?

O famoso quadro expressionista “O Grito” de Edvard Munch diz algo sobre eles?

Se formos atentos, não precisamos ser profetas para ver que o mundo precisa de esperança, de consolação.

“Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão, que era justo e piedoso, e que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. Fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que ele não morreria antes de ver o Cristo do Senhor. Movido pelo Espírito, ele foi ao templo. Quando os pais trouxeram o menino Jesus para lhe fazer conforme requeria o costume da lei, Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: “Ó Soberano, como prometeste, agora podes despedir em paz o teu servo. Pois os meus olhos já viram a tua salvação, que preparaste à vista de todos os povos: luz para revelação aos gentios e para a glória de Israel, teu povo”. (Lucas 2:25-32)

A consolação que Simeão precisava era de ver a sua esperança realizada em Jesus. E a nossa?

Sabemos que Jesus é a base e a proclamação de toda consolação, entretanto, também precisamos todos os dias nutrir o nosso espírito com as palavras da consolação.

Sabe aquela dose diária de que necessitamos para viver sem cair na desesperança?

“Pois tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar, de forma que, por meio da perseverança e do bom ânimo procedentes das Escrituras, mantenhamos a nossa esperança.” (Rm. 15:4)

Assumir o que foi escrito no passado é uma maneira de “chamar para perto” Emanuel, o Deus conosco.

Qual seria uma outra maneira, tendo em vista que a vida quantas vezes segue num enfado medonho?

“Mas quando este sacerdote acabou de oferecer, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à direita de Deus.” (Hb. 10:12)

Ele, Jesus, “assentou-se à direita de Deus”. Isto mesmo! Ele assentou-se. Assentar-se é descansar. Ele fez o que devia fazer. Cumpriu a sua missão e se assentou, descansou.

Isaías 53:10 diz que ele verá o fruto do seu penoso trabalho e a sua alma ficará satisfeita. Aliás, ao final do versículo está que a vontade do Senhor vai prosperar em sua mão. Ele fez o que devia fazer e vai deleitar-se na prosperidade que virá como fruto de todo investimento.

Jesus descansou à direita de Deus para que nós o imitássemos: “pois todo aquele que entra no descanso de Deus, também descansa das suas obras, como Deus descansou das suas.” (Hb. 4:10)

É verdade que a questão em pauta é o descanso eterno, entretanto, precisamos exercitar hoje, em todas as dimensões da vida, o que vamos desfrutar amanhã. O descanso enquanto paragem e também solitude, é uma maneira de trazer Emanuel, o Deus conosco para perto de nós.

“Será inútil levantar cedo e dormir tarde, trabalhando arduamente por alimento. O Senhor concede o sono àqueles a quem ama.” (Sl. 127:2)

Isto não é um incentivo à falta de ação, ocupação e proatividade. Antes é, para aqueles que trabalham e fazem a sua parte, uma orientação para que reconheçam um limite em suas ações, e descansem no cuidado do Pai.

Jesus, o Deus conosco, é a garantia de que podemos descansar, pois ele diz: “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso.” (Mt. 11:28)

O que mais pode trazer esperança? É quanto abraçamos os desesperançados.

“Veio o Filho do homem comendo e bebendo, e dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e “pecadores”’. Mas a sabedoria é comprovada pelas obras que a acompanham”. (Mt. 11:19)

O “Deus conosco” não está conosco somente enquanto grupo seleto e santificado. Naturalmente que fomos separados para Jesus.

Jesus está entre os marginalizados também. Está no sentido de sentar-se com eles, ouvi-los, estender-lhes as mãos e resgatá-los.

Lembram-se dos leprosos? Quem tocaria num leproso? “Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: “Quero. Seja purificado! ” Imediatamente ele foi purificado da lepra.” (Mt. 8:3)

Não tocamos nos “leprosos” por duas razões. Temos medo da doença e também porque não estamos com eles. Como haveremos de tocá-los se não tirarmos tempo para estar com eles?

Eles estão esterilizados pelo medo porque lhes falta o perfeito amor que lança fora todo medo (1 Jo. 4:18).

O Poema Internacional do Medo Carlos Drummond de Andrade ilustra bem que a gente para todo lado a entoar “Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços”.

Aqueles que são esterilizados pelo medo acabam como parte deste poema que segue assim: “existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

A nossa vida de comunhão a celebrar o Deus que se tornou carne entre nós, que está conosco, não pode nos atrapalhar na missão de estender as mãos aos considerados “leprosos” de nossos dias, que Jesus vê como ovelhas amadas e perdidas.

O que podemos então, apreender deste breve olhar para o Deus conosco? Como não sermos passivos diante de um mundo mergulhado no caos da desesperança?

O modelo de Jesus é holístico, como vimos, porque contempla a nossa espiritualidade, a nossa vida pessoal e os nossos relacionamentos.

Porquanto, olhar para Jesus enquanto Emanuel é:

  • Olhar para cima, tal como Simeão, de onde vem a nossa consolação;
  • Olhar para nós mesmos, e nos cuidar com a bênção do descanso e da solitude; e, ainda:
  • Olhar para o lado, e estender as mãos em missão.

Sendo assim, esperamos ter bons dias e boa vida de Natal, de encarnação de Jesus em nós.


Texto publicado originalmente na Revista MARTUREO by Vacilius Santos

O Natal do Deus Conosco - Martureo

sábado, 16 de dezembro de 2023

Resiliência, Imigração e o Vinho

A melhor metáfora para a imigração é a do vinho. Tira-se a uva, pisa-a abundantemente, resta o engaço, e mais a tarde o vinho que alegra e conforta os corações. Assim, é a imigração.

Quem já imigrou? Imigração e resiliência são quase sinônimos, pois tal como a uva somos tirados de nosso "habitat", a viagem de nossa "parreira" até o lagar é linda e cheia de sonhos. Há entretanto, muitos "entretantos".

Chegamos ao lagar, somos mergulhados como tantas outras uvas e cachos, os nossos patrícios, e ali somos pisados sem dó. Não é que alguém nos pisa, necessariamente - embora também aconteça. 

As próprias circunstâncias da vida, as saudades profundas, litros jorram da nossa alma e lavam o nosso rosto.

"Quem foi temperar o choro e acabou salgando o pranto?" (Ariano Suassuna)

O nosso peito não fala, mas sabe que estamos a ser pisados, e começa a sair o sulco, o melhor de nós. 

Quem decide não mudar somente de país, mas sim, fazer as mudanças e adaptações culturais necessárias, mergulhar na cultura que nos recebe, fazer a imersão cultural pode ser comparado ao melhor vinho, que depois de envelhecido, pode muito bem abraçar os seus admiradores.

Sendo assim, quem já imigrou é privilegiado, e se adapta-se ainda mais. A bênção da resiliência anda junto conosco.

Segue no Instagram: @vacilius.santos