terça-feira, 20 de maio de 2025

Sou pastor, não juiz de paz nem advogado

Ah, se esta moda pega! Tenho sabido de decisões unilaterais de divórcio, que o pastor é procurado e tem todo respeito, desde ele atue como um advogado ou juiz de paz. Há pastores que são advogados também, e isto é outra coisa. Vão agir como advogado, profissionalmente, mas não como pastor-advogado. O Evangelho e as leis civis nem sempre batem em pontos cruciais. 

Eles não são vistos como instrumentos de possível reconciliação e restauração. Eles são vistos como um "mágico" que vai apaziguar o coração de quem não quer o divórcio, para que sejam colaboradores no processo unilateral de quem decidiu romper com a família. 

E aí, se o pastor não se permite servir a isto, já não é tão bênção assim. 

Penso haver pastores, que por causa dos filhos envolvidos, fazem a "milha extra" para remediar os danos, entretanto, nenhum pastor que deseja agradar a Jesus, poderia permitir o reducionismo de seu ministério a ponto de atender os desejos de quem decidiu não ouvir o próprio Cristo e o Evangelho da reconciliação.

A descartabilidade do casamento não pode ser abraçada e acolhida no seio da igreja de Cristo. a mensagem do Evangelho continua a ser a mensagem da reconciliação com Deus, que passa pela reconciliação em nossos relacionamentos. 

Não estou a falar de casos absurdos, onde há perigo constante de morte e até abusos e traições. Estou a falar de situações, onde as pessoas se cansaram, e já não se permitem ser ajudadas para a restauração. Querem ser ajudadas para amenizarem as suas perdas como se fossem maiores que o desfacelamento da família. 

O Heterônimo de Paulo em Romanos 7

Gosto dos Heterônimos de Fernando Pessoa. Os Heterônimos são aqueles personagens que Pessoa criou, que dizem respeito a ele mesmo. Tenho particular admiração por Álvaro de Campos, que em seu pessimismo pontua bastante da realidade à nossa volta. 

Este pessimismo lembra-me Romanos cap. 7, lembra-me um suposto Paulo incapaz de viver a vida de santidade. Seria Paulo, em Romanos capítulo 7, um heterônimo? Estaria ele a desenvolver um outro personagem, a representar?

Quando Paulo fala de não conseguir fazer o que detesta e que o bem que gostaria de fazê-lo, não o pode, ele está a falar da tensão entre a LEI e a GRAÇA, que no início do capítulo é simbolizado pelo casamento que deixa de ter efeito com a morte, a "morte" da Lei (Rm. 7:1-4).

Nas palavras de Karl Barth esta tensão entre a Lei e a Graça é aplicada ao HOMEM RELIGIOSO e a ESPIRITUALIDADE, por isso cogita num breve a possibilidade de estar se referindo ao ANTES e ao DEPOIS de Cristo, e logo retorna a questão da religiosidade x espiritualidade. 

A. D. Carson é categórico em afirmar que, dado o contexto da carta ao Romanos, é inconcebível ser uma autobiografia. NÃO É UMA AUTOBIOGRAFIA.

Assim sendo, é tranquilo pensar que Paulo está a usar um "heterônimo", não literalmente porque não usa outro nome, embora seja personagem que representa não a tensão entre a carne e o Espírito "ipsis litteris", antes, porém, o que não é possível alcançar pela Lei ainda que tenha ela a sua utilidade. 

Especialmente, o capítulo 6 e o capítulo 8 não deixam margem para que o capítulo 7 seja a luta do novo homem, uma vez que o velho homem já foi aniquilado, do grego “katargueté” que na voz passiva significa "anulado", "acabado" (Rm. 6:6).

O que temos hoje em operação não é o velho homem, mas sim a natureza pecaminosa. 

“Que diremos, pois, à vista destas cousas? Se Deus é por nós quem será contra nós?” (Rm. 8.31)  

“Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?” (Rm. 8.33)  

“Quem os condenará?” (Rm. 8.34)  

“Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm. 8.35)  


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quarta-feira, 2 de abril de 2025

Eu sou livre para sorrir e chorar?


"Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram..." (Rm. 12:15)

Servos bem dispostos querem promover a alegria e o consolo aos que choram. Este seria o natural. O que seria antinatural? Estes servos não se permitirem sorrir para suas próprias alegrias, enquanto servem para a alegria dos outros, e ainda o perigo de não encontrarem oportunidade de chorar as suas próprias dores e perdas. 

Qual seria a razão de vivermos somente a alegria e a tristeza dos outros? Vejo algumas: 

Primeiramente, o nosso "olhar tristonho" para Jesus, enquanto um ser humano que viveu entre nós, limita o nosso sorriso, porque normalmente, Ele é retratado de modo cabisbaixo, reflexivo e triste, o que não é mal em si, sentimentos que tem o seu lugar, mas que não pode ser apenas assim. 

A Bíblia registra que Ele chorou (Jo. 11.35) e também destaca que Ele transformou a água naquilo que é símbolo de alegria, o vinho (Jo. 2.1-12 cf. Sl. 4.7; Jr. 48.33), com o detalhe que Ele estava num ambiente em que os sorrisos são característicos, uma festa, ambiente de abraços, de danças, de sorriso. 

E, diga-se de passagem, que a promessa messiânica dos efeitos e das bênçãos do Evangelho destaca a alegria, na profecia de Isaías 61:1-2: "A apregoar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os tristes; a ordenar acerca dos tristes de Sião que se lhes dê glória em vez de cinza, óleo de gozo em vez de tristeza, vestes de louvor em vez de espírito angustiado"
 
Há um espaço, portanto, para sorrir no Evangelho. 

Em segundo lugar, há o perigo de trabalharmos em "produção em série", ou seja, sorrimos com quem está alegre, e sem muita atenção, porque precisamos correr para abraçar os que choram, e como sempre há quem chora, choramos o choro dos outros, e ficamos anestesiados com o nosso próprio choro. 

Então, há o perigo de adiarmos o nosso luto. Não temos "tempo a perder" com o nosso choro, e nos esquecemos que nem sempre é choramingo leviano. E se fosse? Não haveria problema de nos permitir sentimentos aparentemente pequenos e insignificantes, porque se os sentimos são importantes, porque falam sobre nós. 

Precisamos ter "olhos de ver" a nós mesmos. Os nossos sentimentos são importantíssimos.

Qual é a maior problemática de não atentarmos para os nossos sentimentos? 

Se não atentarmos aos nossos sentimentos adoecemos e já não teremos a sensibilidade devida aos outros.

Se a alegria que sorrimos é sempre a dos outros, e as nossas lágrimas sempre é o choro dos outros, somos desumanizados num processo de auto robotização. Perdemos assim, a bênção de nos identificar com Jesus, que sendo Deus/homem, chorou e sorriu. 

Vamos relembrar que a nossa principal chamada é de sermos conformes a imagem de Jesus (Rm. 8:29), o que nos desafia a viver também os nossos sentimentos, com os quais Ele nos criou. 

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quinta-feira, 6 de março de 2025

Ainda Estou Aqui

O início do filme trouxe-me uma saudade de pé no chão, calor, jogar bola na praia, na rua, em qualquer lugar. Que clima de sol, que clima de clima solto de ser e estar, naquele Rio de Janeiro, fevereiro e março.

“Ainda Estou Aqui” de Walter Salles, de repente, perde o encanto e vira espanto.

Uma família de classe média-alta, privilegiada, entra num emaranhado estatal e infernal de acusação: "Vocês são todos uns terroristas!"

Como parte dos "terroristas" estava Eunice Paiva, protagonizada maravilhosamente por Fernanda Torres. Ela conseguiu manter a cabeça erguida, com elegância, numa tensão cruel entre um cenário trágico de dor e a esperança, que se esvaia sorrateiramente.

Aliás, acusar de "terroristas" os que se opõem é algo próprio da linguagem ditatorial, em nome da democracia. Isto lembra algum governo que persegue e prende opositores, e desmonetiza contas de quem se posiciona contra eles?

O mais patético ainda é não ouvir o clamor: "Ainda estou aqui" que ecoa de gente de bem ("Eunices" de nossos dias), ainda presa desde 08 de janeiro de 2023.

Voltando ao filme, é incrível como gerações não somente sobreviveram pela postura aguerrida de uma mulher. A família Paiva conseguiu construir, des-construir, conquistar, denunciar, servir um ao outro e servir os outros.


Enfim, vê aí dia 08 de Março, conhecido como o Dia Internacional da Mulher, e podemos honrar todas as "Eunices" que não desistem de sua família enquanto choram.


#eunicepaiva #rubenspaiva #aindaestouaqui #dia08dejaneiro #ditaduramilitar #diainternacionaldamulher #fernandatorres #fernandamontenegro #terroristas


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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Missões é uma réplica da Encarnação

O que deveria ser a nossa suposta encarnação em missões? O que foi a encarnação de Cristo? 

Jesus, o nosso modelo, despiu-se da sua glória e assumiu a forma humana, tornando-se um como nós, os homens. Não apenas tal como os homens, antes sendo propriamente homem entre os homens (Fp 2.7-8).

Deixo-vos dois grandes exempos do que poderia ser uma réplica da encarnação de Cristo na obra missionária: 

O pastor americano Robert Woodberry Sheppard, missionário metodista que se estabeleceu na cidade de Piracicaba, São Paulo, comprou um túmulo ali cidade para se identificar com o povo.

Hudson Tayor, fundador da China Inland Mission (hoje conhecida como OMF Internacional) marcou as missões por se identificar de maneira tal com os nativos, que se vestia das mesmas roupas e deixou crescer o cabelo.

O que fizeram eles? 

Eles não apenas se despiram de onde moravam. A mudança não foi somente geográfica. Tal como Jesus ele usou as sandálias e bebeu da água do povo que os recebeu.

Nenhum missionário será capaz de comunicar de maneira clara o Evangelho de Cristo, se antes não se identificar com os costumes e o estilo de vida do povo que o recebe. 

A postura crítica no lugar de atitude de aprendiz, só fecha as portas.

E tudo começa com pequenos gestos, pequenas adaptações, pequenas renúncias e um ato de admiração por quem nos recebe.

Assim, vivemos em Mouraria de Tornada, uma pequena Aldeia (Vila) portuguesa, onde aprendemos a ter cabras, galinhas e horta. É o que mais chega próximo da realidade dos aldeões. 

E um bom caminho para a boa aculturação não é fazer de conta de gosta, é gostar de verdade, amar, acarinhar, abraçar, enfim, viver.

Que Cristo e as verdades de sua encarnação, possam nos levar a identificação com Ele mesmo e com o povo a quem servimos. Maranata!

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